sábado, 16 de junho de 2012

Pensando bem...Nasci assim,vou morrer assim


      Texto de Martha Medeiros do livro:"Feliz por nada".

Nasci assim vou morrer assim
                Uma das provas irrefutáveis de que estou prestes a virar um fóssil é que assisti á novela Gabriela em 1975, e lembro até hoje da famosa cena em que Sonia Braga se arrasta feito uma lagartixa por cima de um telhado de Ilhéus, para assombro do seu Nacib.Outro dia, numa dessas retrospectivas reprisaram a cena, enquanto se ouvia a trilha sonora que virou hit: "Eu nasci assim eu cresci assim vou ser sempre assim Gabriééééla".
                 Salve Dorival Cayme, autor da letra, mas cá entre nós, hoje em dia Gabriela seria forte candidata  a algumas sessões de psicanálise, porque só pode ser teimosia crônica essa mania de nascer assim crescer assim , e mais grave, ser sempre assim.Por mais que "assim" seja seja bom, é muito assim para pouco assado.
               Tenho uma amiga que é a última a sair dos encontros da nossa turma.Invariavelmente, a última. No entanto, dias atrás, nos reunimos e não eram nem 21h quando ela pegou sua bolsa e se despediu.Silêncio na sala.Está se sentindo mal? Não. Alguma coisa que dissemos te ofendeu? Não. Vai se encontrar com alguém? Não.Ela apenas sentiu vontade de voltar cedo para casa em vez de, como de hábito, ficar para apagar a luz.Havia nascido assim, crescido assim, vivido assim, mas não precisava ser sempre assim.
              Depois que ela foi ficamos especulando sobre o que a teria feito ir embora, sem aceitarmos a explicação trivial que ela deu: vontade.Como vontade? Desde quando alguém faz algo diferente por simples vontade? Muito suspeito.
               É justamente para não alimentar desconfianças que tanta gente se algema, aos seus preconceitos, aos gostos que cultiva há vinte anos, ás manias executadas no automático e a amores que nem lhes satisfazem mais, tudo para que os outros não questionem sua integridade, já que se estabeleceu que quem muda é frívolo.
             Se é isso mesmo, salvem os frívolos. Só não muda quem não consegue racionalizar sobre o que acontece a sua volta, não se interessa pela condição humana, não é curioso a respeito de si mesmo, não se permite ser atingido pela arte e pelo pensamento filosófico, em suma só não muda quem está morto.
            A vida não recompensa os amadores. No máximo lhes dá uma vida tranquila, e isso nem sempre é uma graça divina. Gabriela é um personagem de ficção, e Cayme um poeta enaltecendo a pureza humana, que merece mesmo ser enaltecida em prosa e verso.Mas a pureza não precisa se defender o tempo inteiro contra a mudança. Pode se migrar da pureza para o experimentalismo sem perdas.
            Minha amiga naquela noite, dormiu cedo como há séculos não fazia, e eu, que costumo cabecear quando termina a novela, fui a última a sair, fiquei para apagar a luz.E ambas continuamos íntegras como sempre fomos.



             Nota do Blog: Nem a nossa Gabriela vai ser sempre assim, lembrada com a figura da atriz Sonia Braga.Esta geração terá na lembrança a Gabriela interpretada pela atriz Juliana Paes.

         

Um comentário:

  1. Márcia querida, amei este texto! Foi você quem escreveu? Muito profundo e consciente...Parabéns!Beijo.Maristela.

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